domingo, 15 de junho de 2008

Air - Playground Love

Música: Playground Love
Artista: Air
Direção: Sofia e Roman Coppola
Ano: 1999




Um videoclipe tão profundamente relacionado ao filme (razão para a existência da música e da trilha sonora, aliás) tem claramente (e felizmente) características diferentes daqueles relativos somente ao(s) artista(s): serve como meio de visibilidade não só para a música e para os compositores, mas para o filme em si e, nesse caso especificamente, para a diretora - que é a mesma nos dois. O que faz a ligação explícita música-filme aqui é um elemento inusitado (artifício utilizado consideravelmente por clipes da época e posteriores), que confere ao produto final uma ternura e melancolia essenciais . Isso + os plurissignificados potenciais que cada elemento oferece é o que me faz gostar tanto do clipe - e do filme.

Logo na primeira cena de Playground Love fica claro que Coppola e Air dão um resultado muito bacana: a luz do sol por entre as folhas serve de elemento comum tanto da dupla francesa quanto da atmosfera do filme (e da diretora). Os planos seguintes logo fazem a ambientação para o espectador que ainda não assistiu "As virgens suicidas", numa matemática delicada e sutil: casas com jardins bem-cuidados + menino jogando basquete enquanto o pai mexe na churrasqueira + meninas de ar retrô passeando com o cachorro pelos mesmos gramados bem-cuidados + um carro "dos anos setenta" ao lado de um desses gramados + família rezando à mesa de jantar = subúrbio americano setentista com foco numa família conservadora, mais especialmente num componente dessa família - a garota "transgressora" (aspas porque essa palavra é muito reducionista) que masca chiclete durante o jantar (ou, para os familiarizados com o filme, Lux).

O chiclete mascado por Lux revela-se estopim de toda a engrenagem do clipe: após o olhar constrangido e reprovador da mãe, ela o tira da boca e o coloca no canto do prato (reparar na comida do prato: ervilhas, presunto e purê de batata; quer mais americano que isso?), ao que começa o vocal da música, cantado por nada mais nada menos que o tal chiclete. Que bonitinho, pensa o espectador. Lembra Coffee and TV, do Blur (os dois são contemporâneos, na verdade). O fato de a música ser cantada por um fofo chiclete de expressão blasé é a perfeita metáfora para a música e para o filme: juventude. E essa é justamente a luz e a sombra do clipe: o ponto positivo é o que acabou de ser citado, por mais bobo que pareça; a sombra é esse "por mais bobo que pareça", a possível redução de significado do filme para meramente "juvenil", o que não é, de modo algum, a verdade.

PAUSA: É claro que a pretensa tentativa de apresentar brevemente o assunto do filme gera inconvenientes, tais como limitação de significado, estereotipação de personagens e possível perda de riqueza. FIM DA PAUSA.

A apresentação de Lux segue ao mostrar seu comportamento sedutor dissimulado: ela esfrega o pé na perna do garoto (que não é da família) presente na mesa, deixando-o desorientado (mais um significado percebido somente por quem assistiu ao filme: o garoto ali sentado é um dos vizinhos narradores do filme, que se dizem fascinados pelas irmãs Lisbon e pela sua aura enigmática); vê o galã da escola, Trip Fontaine, esperando-a do lado de fora, no carro. Aí, eu diria que começa a parte 2 do clipe: Lux corre até o carro e beija Trip, presenteando-o com o Chiclete. O foco agora muda. O Chiclete canta, e então vemos Trip andando pela escola: o típico rapaz bonito idolatrado pelas meninas, de óculos escuros e pose de galã; todos o olham quando ele entra na sala. Novamente uma situação-de-tirar-o-chiclete-da-boca, a sala de aula. O Chiclete cai de debaixo da carteira e é pisado por uma garota.

Pronto. Começa então a "parte 3", que também pode ser encarada somente como "parte 2" se você contar a apresentação de Lux e Trip como uma coisa só. A garota que pisa no Chiclete é Lux, ou melhor, Kirsten Dunst, porque o clipe passa do ambiente fictício para os bastidores da gravação (não menos fictícia, mas enfim). Por um olhar cínico e desconfiado, o "trailer" do filme pára aí, e começa a "propaganda" da diretora e dos compositores. Alguma assistente tira o Chiclete do sapato de Kirsten e o coloca no que posteriormente descobrimos como o roteiro do filme. Surge então Coppola (oi, diretora), a quem é apresentada a boneca do cd da trilha sonora do filme (oi, Air). Pessoalmente, acho essa parte desnecessária; não contribui pro desenvolvimento e riqueza do clipe de forma alguma.

Então, após a parte 1 (ou partes 1 e 2) totalmente inseridas na ficção cinematográfica e seguinte à parte 2 (ou 3) da exibição dos bastidores e leve propaganda, começa a parte 3 (ou 4), a mistura das duas. Volta-se para o "roteiro" do filme, mas o espectador agora sabe que é um olhar externo: a gravação da cena do baile entre Lux e Trip. Ela tira o (outro) chiclete da boca e o coloca em cima do roteiro do filme, onde havia desde a parte 2 (ou 3) o primeiro Chiclete. A expressão deles (chicletes) aí é de satisfação e felicidade (???), como a dos seus ex-donos. O baile da escola é o lugar onde se concretizam os "playground loves"; o escape da casa repressora das irmãs Lisbon; ambiente onírico, inocente e terno. E o clipe termina aí, como inverso ou metáfora do final do filme.

Isabela Fraga, EC6.

Um comentário:

Luísa disse...

preferia "les sucettes". enganadora vc, hein? ¬¬