domingo, 15 de junho de 2008

"Eu sou terrível", de Roberto Carlos (ou: "All My Life" e trecho de "História real")

E é bom parar.

Originalmente eu me safaria com a eerie Cross Bones Style (acordem para uma das dez canções mais magníficas do planeta na minha opinião), da Cat Power, que ganhou um delicioso clipe do-it-yourself.

Ou então pensei em me achar terrível e barganhar a indecência de postar meu videoclipe favorito: dez minutos que a
companham os passos de Barry Egan, de Los Angeles ao Havaí. Fábrica. Aeroporto. Desfile de rua. Saguão de hotel. Bar de hotel. Corredor de hotel. Três músicas, uma atrás da outra. Vocês não suportariam, claro, não é exatamente videoclipesco. Como se trata do meu filme favorito, Embriagado de amor, eu quero pensar que ele tem coisas bonitas pra confidenciar a mim, e a mim apenas, então eu me resguardo (kinda).

Mas ora que eu continuo me achando terrível. E teimei querer postar algum trecho musical notável de algum episódio marcante de seriados idem. Desde Love is Everywhere I Go, em Gilmore, até a abertura da quarta temporada de The Wire. Depois de doze maravilhosos episódios da série Once and Again vistos em 24 horas dá vontade de mostrar ao mundo que Evan Rachel Wood cantando oito, nove versos de God Bless the Child, no sublime episódio Gardenia, é o mais próximo do TOTALMENTE TRANSCENDENTAL que um roteirista (um eu hipotético somado a uns anos) chegará.

Mas não. Escolhi dois vídeos (porque eu sou especial - e terrível). Nenhum dos dois exatamente videoclipes (agora já fiquei impossível). Mas eles assim o soam para mim.

O primeiro, o belo, belo, lindo, lírico, sublime curta All My Life (Bruce Baillie, 1966) trata de um passeio panorâmico mediado pela voz de Ella Fitzgerald por um jardim repleto de roseiras, delimitado por uma cerca carcomida. A câmera ascende ao céu ao final. Só. Eu quero pensar que o filmete do Baillie (criador de outras maravilhas como Castro Street e Valentin de las Sierras) encapsula e coroa uma meditação radiante das delícias da natureza, mas acabo esperando as coronhadas do típico raciocínio "eu poderia fazer igual". Não, não, senta aí, você não poderia fazer nada semelhante a este hino fugere urbem. O lirismo que cabe numa casca de noz é ardiloso, como sabemos. Para começar, para ser minimalista há de se amar o tempo.



O segundo clipe provém do extraordinário filme História real (The Sraight Story, David Lynch, 1999). Nele, a belíssima música instrumental Laurens Walking, de Angelo Badalamenti, acompanha nosso intrépido herói pelos pastos verdes e campos dourados de Iowa. Quem viu, sabe. O velhote Alvin Straight quer porque quer visitar o irmão montado num cortador de grama. E vai. Essa seqüência é tão mágica que dificilmente assim se poderia crer pelos primeiros segundos, puramente terrenos: o nascer do sol, quatro amigos dissuadindo-o (em italiano no clipe, scusa) da viagem. Ninguém espera que a câmera alçada ao céu em All My Life aja na conformidade esperada de uma epifania. Da mesma forma, é surpreendente que a câmera visite o azul céu azul e congele nele por alguns segundos antes de se voltar para baixo. É um momento fora do tempo, helicopterando logo acima do mundano. Ademais, tem sua parcela de graça: a câmera sobe e se prende ao céu como se não houvesse amanhã, e esse instante infinito, quando cessa e permite que ela volte a evidenciar nosso herói, encontra o ínfimo progresso em metros percorridos do velhinho. Deus queira que todo chiste seja assim generoso: o clipe (e o filme) reserva seu tempo tanto para cortadores de grama quanto para velozes colhedores mecânicos de grãos. Uma família americana bem-nutrida numa casa-de-subúrbio de beira de estrada forma finalmente um consenso comovente e encantador entre uma jornada pessoal e pessoas na jornada. Se alguém me perguntar se Alvin Straight (a história é, de fato, real) será lembrado, eu diria "Só sei que eu nunca vou me esquecer dele". (E Lynch, agora ligado na chave default-diabólica, tem outro grande momento na recriação de Sinnerman presente nos créditos de Inland Empire.)




NOTA FINAL, JURO: o clipe que eu queria mesmo postar foi tirado do ar pelo Youtube. É a obra-prima total Puce Moment, de 1949, do Kenneth Anger.

E assistam a isso.


Guilherme Semionato Silva Alves, EC6.


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