domingo, 15 de junho de 2008

Just like Rolling Stones

O 8 de março deste ano foi marcante para os cariocas amantes do rock de protesto americano. Tanto para aqueles que foram ao Rio Arena assistir a um rouco Bob Dylan, que encerrava sua turnê no Brasil com uma performance mediana em que mal se podia ouvir sua voz enfraquecida pela idade — mas ainda assim valiosa —, quanto quem se recusou a pagar os 150 reais (R$ 75 na meia) necessários para vislumbrar o show, das fileiras mais distantes do local, mas ainda assim lamentou perder a oportunidade.

Bem, eu tive que esperar pelos bootlegs para poder ouvir os 100 anos de Zimmerman (embora o compositor tenha menos, times they are a’changin’) fazerem suas canções perderem um pouco da emoção de seu jeito de cantar quase falado e às vezes deliciosamente desafinado e agudo de sua juventude e se tornarem mais convencionais e graves. Ainda assim, não culpo quem pagou os ingressos para ir vê-lo, afinal o cara é um músico histórico e um puta compositor/letrista.

Basta ouvir suas músicas mais famosas para encontrar pérolas como “It Ain’t me Babe”, “Hurricane” e “Like a Rolling Stone”, que provavelmente tem mais covers do que qualquer outra de Dylan. E ninguém mais oportuno para recuperar o clássico do que os próprios Rolling Stones


Música: Like a rolling stone (Bob Dylan)
Artista: Rolling Stones
Álbum: Stripped
Ano: 1995
Diretor: Michel Gondry

Jagger e companhia erraram na escolha se queriam simplesmente fazer um clipe para sua versão da música. Gondry, diretor francês celebrizado pelo seu “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, criou um vídeo que se baseia na letra da música e nas sensações alucinógenas. A música ficou como suporte, e teve o ritmo adaptado das fotos que se alternam velozmente.

O clipe estilhaça sua linha narrativa como a memória confusa de alguém sob efeito de drogas. Ainda está presente a estrutura início-meio-fim, mas os diversos pedaços foram jogados através do vídeo, baseados na letra da música e na imaginação do diretor. Pelo jogo de luzes e pela maquiagem e roupas da atriz, juntos com um pouco da lógica tradicional, é possível compor o que seria o passado da protagonista do clipe; e o diretor trabalha isso muito bem, já que logo na primeira visualização desleixada percebi facilmente essa questão.

No começo, nos é apresentada imagens de pessoas em uma festa; elas parecem estar em um êxtase temporal enquanto a câmera nos mostra diferentes ângulos e se movimenta de um jeito estranho. Todos os objetos da cena parecem deixar rastros quando a câmera se movimenta por eles, lembrando o impressionismo do século XIX. Os produtores visuais e Gondry conseguiram esse efeito ao promover uma festa de verdade e usar múltiplas máquinas fotográficas para apreender diferentes ângulos praticamente no mesmo tempo, e alternando as imagens, conseguiram esse efeito – que se eleva quase à genialidade nas cenas da piscina, nas quais a água está estática no meio do ar enquanto a câmera se movimenta, causando uma sensação de estranhamento que se casa bem à música, muito bem executada pelo grupo.

Os Rolling Stones, aliás, estão presentes de uma forma interessante. São a banda que embala a festa apresentada no vídeo (que aconteceu de verdade) e ao mesmo tempo estão em seu vídeo-clipe. A música que eles tocam narra a história de Gondry, é a trilha sonora da festa e também é a base para que o clipe é feito. Vale também lembrar que “Like a rolling stone”, do jeito que os Stones a tocam normalmente, não é a mesma do clipe. Ela se adapta à percepção da protagonista, com diversas pausas que se assemelham à sensação que a alternância das fotos nos dão, sendo assim, também a memória dela do que ouvir na festa e não a música que realmente tocava lá.

A hora do solo, que tem como protagonista para mim a competente gaita de Mick Jagger, é uma das mais belas de todo o vídeo. Principalmente na hora em que nossa visão se funde com a da protagonista e parece planar a esmo sem se focar em nenhum objeto ou personagem. As linhas se distorcem conforme a música, se separando de qualquer compromisso com a representação do cenário. Literalmente foto-grafia.

O final do clipe é outro ponto impressionante. Se colocam em paralelo cenas do passado da protagonista e do presente, sendo que este é uma encenação triste da vida glamourosa que a personagem já tivera. Simplesmente genial como ficaram contrapostas a personagem que já perdia a noção tradicional, mas ainda era capaz de se maquiar com habilidade, e a de agora, que praticamente suja todo o entorno da sua boca com o batom. O último acorde da guitarra parece quebrar o espelho, ao término do clipe.

Ao assistir o vídeo de novo, é interessante notar como os membros da banda e a protagonista do clipe aparecem em vários pontos da festa, assim como achar referências a outros clipes, como vertigo. Destaque também para as cenas do garoto jogando bola e a do carro.

Quanto à música, prefiro a versão de seu compositor, mas a dos Rolling Stones também nos dá um gostinho muito especial. Do título ao próprio tema, a composição se carrega de ironia, não se sabe se ela fala das viagens alucinatórias da própria banda, da protagonista completamente perdida nas sensações distorcidas ou dos dois. Provavelmente nenhum e todos eles, mas o que dou como certo é que a convergência da criatividade de um jovem diretor, uma música consagrada e uma banda fantástica fez desse clipe uma obra de arte. E duvido que o resultado poderia ser melhor, mesmo com Dylan.

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